segunda-feira, 23 de junho de 2008

5ª. PARTE - A chegada em Paraty.






Quando começamos a pedalar naquele sexto dia de pedaladas e o oitavo da viagem, estávamos ansiosos por completar nossa jornada. No dia anterior, meus ligamentos dos joelhos começaram a sentir a fadiga de se pedalar pesado todos os dias, comprei um spray com antiinflamatório e fiz algumas aplicações que surtiram efeito. Colocamos as bikes na estrada às 7 horas, Paraty estava a apenas 90 km e Cunha a 43 km. Seguimos pelo asfalto e com poucos quilômetros rodados começamos a subir serras, afinal estávamos pedalando na região da serra da Bocaina, aquela que na 5ª série imaginávamos os bandeirantes cruzando, com caravanas de índios como nos quadros de Rugendas ou Debret. Por volta de 10:30h, chegamos à Cunha, cidade com população aproximada de 23 mil habitantes, um município privilegiado pois possui parte do Parque Estadual da Serra do Mar e do Parque Nacional da Serra da Bocaina. De clima ameno, a cidade era chamada na época dos tropeiros como Boca do Sertão, pois era importante entreposto entre o litoral, o Vale do Paraíba e o sertão mineiro. A cidade possui duas antigas igrejas, a de N. Srª Imaculada Conceição de 1731 e a igreja do Rosário e São Benedito de 1793. Almoçamos em um aconchegante restaurante, cujas janelas do fundo propiciavam uma magnífica vista da cidade e da Rodovia SP 171 pela qual estávamos rodando. Acabado o almoço, partimos em direção a Paraty, a apenas 47 km dali, logo na primeira subida meu bagageiro também não resistiu à viagem e quebrou rente ao aparato de blocagem, não tinha conserto, passei o camelback para a frente do corpo e a mochila que ia no bagageiro coloquei nas costas. Com o peso extra no corpo, meus tendões recomeçaram a doer. Nas primeiras subidas, intermináveis e acentuadas, lembrei do personagem Santiago do livro de Ernest Hemingway, O velho e o mar. No livro o personagem principal, diante da fatigante luta para pescar um espadarte, conversava com sua mão como se esta fosse outra pessoa e motivava com palavras a própria mão a continuar resistindo à luta com o peixe. Assim eu estava fazendo, com minhas pernas conversava como se elas fossem duas parceiras que não poderiam me abandonar e teriam que agüentar mais alguns quilômetros. Deus não abandona aqueles que perseveram e para minorar o cansaço daqueles que cruzam as serras paulistas ele presenteou o lugar com uma paisagem espetacular, com cachoeiras, vales profundos e um clima que atenuava a exaustão. A água de nossos camelbacks estava no fim e fomos obrigados a abastecê-los em uma cachoeira na subida da serra. A cachoeira era formada por umas quatro quedas e devia ter mais de 80 metros. Perto da cachoeira, um marco da Estrada Real informa que em 1547, Martim Correia de Sá, em expedição com setecentos portugueses e dois mil índios galgou a Serra do Mar pela antiga trilha dos Guaianás.
Continuamos subindo, e durante o percurso morro acima, íamos observando as nuvens que tocavam o topo da serra se aproximarem. Quando adentramos a neblina, o frio aumentou e junto com o frio veio a umidade. Estávamos com luvas, camisas de ciclismo de mangas longas e eu, por baixo da camisa vestia um underwear que se mostrou de grande eficiência naquele clima frio que estávamos enfrentando nos últimos dias.
Mais alguns quilômetros serra acima, vimos uma placa que anunciava o fim do asfalto a 100 metros, estávamos na divisa dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro e começamos a entrar no Parque Nacional da Serra da Bocaina. A umidade quase que permanente do lugar criava uma vegetação exuberante, árvores cobertas de musgos, orquídeas e bromélias de várias espécies. Embora não estivesse chovendo, o contato das nuvens com o topo da serra, condensava o vapor d’água nas folhas das árvores que caíam em grandes gotas no chão de terra, tornando a descida ainda mais emocionante, vamos dizer assim.
Apesar de se passar poucos minutos das 17 horas, já começava a escurecer e descíamos a serra bem devagar, e às vezes não resistíamos e parávamos para mais uma foto. Não cansávamos de comentar a beleza do lugar eram os últimos quilômetros da Estrada Real, e talvez os mais belos. Era emocionante estar ali atravessando o Parque Nacional da Bocaina, sentindo nossa jornada chegar ao fim em grande estilo. A descida da Serra da Bocaina é o gran finale que a Estrada Real reserva para aqueles que se aventuram por ela. Foram quase 24 km de descida, sendo 9 km de terra por um raro remanescente da Mata Atlântica muito bem preservada. Finalizamos nossa trip pedalando pelas ruas de Paraty cada um com uma sensação calada e confortável de missão cumprida. Naquele último dia de pedaladas, rodamos 102,29 km, fizemos velocidade média de 13,3 km/h e atingimos a máxima de 65,9 Km/h, com tempo efetivo de pedalada de 7h39’59”. Nossos hodômetros marcavam 647,13 Km rodados desde Ouro Preto.
Paraty por si só vale a viagem. A data de nascimento da cidade não é conhecida, estima-se que tenha surgido no início do século XVII. A cidade é de uma beleza indizível, com um conjunto histórico muito bem preservado com casarões coloniais, iluminação sem fio e calçamento pé-de-moleque. Destaque para a Igreja de Santa Rita construída em 1722 que abriga o museu de arte sacra e cuja imagem é o mais famoso cartão postal de Paraty. A Igreja N. Sra. dos Remédios de 1787 e a capela de N. Sra. das Dores erguida em 1800 também são importantes exemplares do acervo histórico da cidade. Os sobrados possuem área comercial em baixo e residencial na parte de cima, construções típicas de um porto comercial do Brasil colônia. Com uma estrutura excepcional para atendimento ao turista a cidade é palco da já famosa FLIP a Festa Literária Internacional de Paraty que acontece no mês de julho e ainda alia como nenhuma outra, o turismo histórico ao ecológico, são oferecidos vários passeios a cachoeiras, fazendas antigas, sítios arqueológicos, ilhas e muitos roteiros de escunas e veleiros. Vale a pena usar o transporte público para visitar as praias do município, são dezenas de praias belíssimas cuja visibilidade da água permite mergulhos impressionantes em meio a diversos tipos de peixes.

Quem pedala acaba por ver paisagens impossíveis de se ver de carro ou de moto, sem falar que chegar ao destino proporciona um enorme sentimento de superação e uma gratidão por se estar chegando a um local que dias antes era apenas um ponto no mapa. A emoção de chegar a Paraty, foi a moeda que pagou por nossos seis dias de pedaladas, nossas dores e nossas ansiedades.

Um comentário:

Unknown disse...

Olá!!!

Tenho muita vontade de fazer a mesma aventura que vcs fizeram, eu gostaria de saber como faço para conseguir o roteiro da viagem...

Obrigado pela atenção...

Fernando
(fernando.apmelo@uol.com.br)