"O real não está na saída ou na chegada: ele se dispõe pra gente é no meio da travessia"
João Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas.
Texto: Rony V. R. Camargos
Fotos: Rony Camargos e amigos.
CAMINHOS DAS CACHOEIRAS
DE UNAÍ A SAGARANA
Resolvemos fazer o carnaval de 2017 da forma que mais
gostamos, pedalando.
Para esse roteiro de quatro dias, resolvemos fazer uma
cicloviagem na nossa região, o Noroeste Mineiro. Pois como disse Tolstoi, “se
queres ser universal, comece por pintar a
tua aldeia” e para pintar nossa aldeia, nada melhor que cachoeiras e
pedal.
Saímos de Unaí no sábado bem cedinho 6:00 em direção ao
ribeirão do Rosário que fica 50 Km de distância da cidade, pegamos a MG 188 e
5 Km depois seguimos pela LMG 628, estrada que leva aos municípios de Uruana,
Bruritis e Arinos.
O grupo formado por André, Boy, Daniel, Gilberto e eu tinha
como objetivo secundário, passar por várias cachoeiras, para mapeá-las e fotografá-las. E como objetivo principal curtir um roteiro incrível.
As primeiras cachoeiras que visitamos distam aproximadamente 40 Km,
como não sabemos os nomes, chamamos de Cachoeiras da serra do Israel. Estão em
área particular, e foi preciso uma certa lábia do Boy para termos a autorização
para entrar.
Valeu a pena, depois de percorremos à margem de um rego
d´água que desce a serra, chegamos na primeira cachoeira, um convite a um
banho. Alguns metros acima, chegamos na segunda cachoeira, também muito bonita,
mais hidromassagem natural.
Pegamos as bikes novamente e seguimos para o ribeirão
rosário, uma estradinha bucólica nos leva até a bela cachoeira do Rosário de
cerca de 3,5 metros de altura e com um bom volume de água. Depois de um banho
revigorante, fomos em direção à casa do Senhor Paulo. Demos um “oi” e ganhamos
um queijo fresquinho com café. O queijo era tão bom que resolveu nos
acompanhar. Seu Paulo deve ter ficado com dó daquele bando de doido subindo
serra com alforjes com mais de 16 Kg de
carga e nos ofereceu o queijo, que foi educadamente recusado pelo Daniel e
aceito numa presteza fora do comum pelo Gilberto.
Seguimos mais cerca de 4 Km até a sede de uma fazenda cujo
caseiro é conhecido por Ligeiro. Quando chegamos ouvimos o Ligeiro gritando?? Chingando?? Não dava pra saber direito. Esperamos um pouco e lá vem o ligeiro,
caminhando devagar, estava bravo, porque uma pessoa lhe havia encomendado
vários frangos, e, depois de um verdadeiro “franguicídio” perpetrado pelo ligeiro, o cidadão desistiu de ficar com os frangos. Compramos duas galinhas já abatidas. No dia anterior o André e o Boy haviam levado, de carro, suprimentos para o primeiro acampamento.
Preparando o rango |
À noite depois que fomos dormir a chuva caiu, uma barraca inundou, todos nós tivemos alguma coisa molhada.
No dia seguinte, domingo dia 26, o céu amanheceu nublado. Fomos conhecer a cachoeira mais alta do Rosário, uma belíssima cachoeira de cerca de 25 m, trilha fácil que passa por outras cachoeiras menores.
A bike do André quebrou um dente do interior do núcleo da roda traseira. Especialista em bicicletas, o cabra sacou dois alicates e conseguiu resolver o problema.
André consertando o núcleo da roda. |
Saímos cedo para subir a serra do Israel rumo às cachoeira que chamamos de
“14 cachoeiras”.
Muito empurra-bike na antiga estrada que hoje não aceita carros comuns.
Com cerca de 4 Km de subidas chega-se à trilha que leva às cachoeiras. O Daniel
era o único que não conhecia o complexo de cachoeiras, não daria para visitar
todas as quedas d´água, uma vez que estávamos atrasados em relação aos nossos
planos. Visitamos somente 5 cinco quedas e voltamos para as bikes.
Casa de Seu Constantino. Foto: Daniel |
Cascata do córrego Pindaíba |
Cachoeira do Iporã |
Cachoeira no córrego Vereda Funda |
Cachoeira no córrego Vereda Funda |
Depois do almoço seguimos para nosso local de acampamento, o Pilão de
Pedra, uma área particular que recebe visitantes, distantes 84 Km de Unaí pelo
asfalto. Nós até aquele momento havíamos rodado 105 Km. Fomos recebidos pelo
Adolfinho, o proprietário.
O Boy e o Daniel logo arrumaram um lugar para dormir, na antiga casa de adobe e chão de terra batida, o Gilberto armou a barraca no quiosque do bar, André e eu armamos nossas barracas na beira da cachoeira.
O Boy e o Daniel logo arrumaram um lugar para dormir, na antiga casa de adobe e chão de terra batida, o Gilberto armou a barraca no quiosque do bar, André e eu armamos nossas barracas na beira da cachoeira.
É importante ressaltar os riscos de se visitar cachoeiras nesses períodos
chuvosos, casos de tromba d´água ou cabeça-d´água não são raros.
Já no Pilão-de-pedra |
Ao fundo cachoeira do Pilão-de-pedra |
Gilberto em momento "delicado" |
No pilão-de-pedra é possível acampar pagando 20,00 por barraca, dá para
encomendar uma refeição, há lanche e bebida à venda. O Gilberto, como sempre,
não decepcionou com um macarrão com atum que subiu pra categoria "iguaria de pedal".
No dia seguinte, segunda-feira de carnaval, tomamos o café da manhã e
zarpamos para visitar a cachoeira da jibóia, que o Daniel não via há mais de 20
anos. Mas antes disso, fomos visitar a cachoeira do ribeirão Garapa. distante cerca de 8 Km do Pilão-de-pedra.
Neste momento, me lembrei de um trecho do Grande Sertão Veredas do João Guimarães Rosa, que na voz do ex-jagunço Riobaldo diz "... Esbarramos num varjeado, esconso lugar, por entre o do-Garapa e o da-jibóia, ali tem três lagoas numa com quatro cores: se diz que a água é venenosa"
Neste momento, me lembrei de um trecho do Grande Sertão Veredas do João Guimarães Rosa, que na voz do ex-jagunço Riobaldo diz "... Esbarramos num varjeado, esconso lugar, por entre o do-Garapa e o da-jibóia, ali tem três lagoas numa com quatro cores: se diz que a água é venenosa"
Cachoeira do Garapa |
Descida com vista espetacular
acabei perdendo meu saco de dormir, só me dei conta no final da descida.
Resolvi subir um pouco para dar uma chance à sorte. Encontrei o saco a uns 800 metros serra acima.
Enquanto eu subia a serra, André e Daniel aguardavam com minha bike e o Gilberto, foi até um sítio próximo saber se seria possível arrumar um meio de voltar para resgatar o saco de dormir. Bingo, o cara garantiu uma ajuda que não foi preciso usar e de quebra ganhamos um almoço na casa do Tutu, conhecido antigo do Gilberto.
Enquanto eu subia a serra, André e Daniel aguardavam com minha bike e o Gilberto, foi até um sítio próximo saber se seria possível arrumar um meio de voltar para resgatar o saco de dormir. Bingo, o cara garantiu uma ajuda que não foi preciso usar e de quebra ganhamos um almoço na casa do Tutu, conhecido antigo do Gilberto.
Visitamos a Cachoeira que está na divisa dos municípios de Unaí e Uruana
de Minas. Com 144 metros de queda livre é uma das mais belas cachoeiras do
Brasil.
Pela estrada mais acessível para carros, a cachoeira dista cerca de 90 Km de Unaí e cerca de 20 Km de Uruana de Minas.
Pela estrada mais acessível para carros, a cachoeira dista cerca de 90 Km de Unaí e cerca de 20 Km de Uruana de Minas.
Na cachoeira da Jibóia. foto: Daniel |
Cachoeira da Jibóia |
Descolando um almoço na casa do Tutu |
Cardeal na goiabeira |
Estrada de acesso para a cachoeira da Jibóia |
Foto: Boy |
Placa do circuito turístico abandonada, como o próprio circuito |
Chegada na cidade de Uruana de Minas. |
Passamos para um lanche na cidade de Uruana e seguimos para a cachoeira da Ilha, uma bela e volumosa queda d´água distante aproximados 17 Km da saída de Uruana e 7 Km da vila de Sagarana já no Município de Arinos.
Vista da cachoeira do ribeirão da Ilha. |
Foto: Daniel |
Foto: André |
Ponte sobre o ribeirão da Ilha - Arinos - MG |
Chegamos ao bar do Branco na cachoeira da Ilha, e o forró estava fervendo, encomendamos um jantar e tratamos de provar a cerveja local (que era a mesma de qualquer local), ficamos ali meio a contragosto esperando o forró acabar e a chuva passar.
Recebemos a visita dos nossos novos amigos, o casal Virgílio Martins e Dinalva, ele um membro essencial da comunidade local, toca um projeto de permacultura, é luthier, fabrica viola de cocho, rabecas, violas e outros instrumentos de corda e já deu cursos do ofício para muitas crianças da vila. A Dinalva está fazendo um pós-doutorado cujo objeto do estudo são as tecelãs da localidade e é também uma grande entusiasta da permacultura.
Arrumamos nossos sacos de dormir no galpão do bar do Branco, após o jantar e depois que os forrozeiros foram embora dormimos no chão, que horas antes estava repleto de pessoas dançando e tomando uns tragos.
No dia seguinte fomos para a vila de Sagarana, atravessamos a ponte e percorremos cerca de 7 Km até o povoado.
Fomos conhecer o projeto do Virgílio e da Dinalva, o link para conhecer um pouco desse trabalho está no final deste post.
A vila de Sagarana foi o segundo assentamento de reforma agrária de Minas Gerais, instalado em 1973, e seu nome homenageia a primeira grande obra de João Guimarães Rosa, o livro de contos Sagarana, publicado em 1946.
Foto: Roney Lara |
Foto Roney Lara |
Momentos na vila de Sagarana. |
O virgílio foi nosso guia para conhecermos a cachoeira do Boi Preto, bem próxima ao povoado, dentro da Estação Ecológica Sagarana, uma reserva com 2.340 ha que preserva o bioma do cerrado. Na cachoeira se faz a captação de água para a população da vila, que tem cerca de 500 pessoas residentes.
Nesse momento se juntou à nós, nosso amigo Bruno, que levou sua bike pra rodar pela porta do liso do Sussuarão.
Cachoeira do Boi Preto em Sagarana |
Trilha que leva à Cachoeira do Boi Preto |
Enquanto visitávamos a cachoeira do Boi Preto, nosso resgate chegou, Bicudo e Roney Lara, dois pedalantes experimentados. Desta vez não pedalaram mas deram um apoio de valor inestimável.
O apoio contou com proteínas extras e carboidrato líquido. foto: Roney Lara |
Enquanto esperávamos o casal Virgílio e Dinalva almoçarem em sua casa, ele vegetariano, ela vegana, nós por ironia do destino, preparávamos um churrasco. Mas com certeza temos muitas coisas em comum, a admiração pela natureza é uma delas.
Depois do almoço, seguimos de carro em direção ao ribeirão do Marques, 17 Km até a propriedade do Seu Quinzinho, depois um treking excepcional de uns 40 minutos pela mata bem preservada e com direito a banhos de cachoeiras pelo caminho.
Depois de passar por lugares exuberantes, avistamos a magnífica cachoeira do Marques. Daria pra ficar horas só olhando aquele espetáculo.
Voltamos rápido pela trilha, pois já estava ficando tarde. Encontramos Seu Quinzinho no quintal. ofereceu-nos um café com biscoitos temperados com hospitalidade, daqueles que chegam a emocionar o viajante acolhido.
Um pouco mais de Rosa nesse mundo:
"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas pra ver se já somos capazes da alegria sozinhos...Essa... a alegria que ele quer"
LINKS: Projeto Cresertão em Sagarana
Na trilha para a cachoeira do Marques. Foto. Daniel |
Voltamos rápido pela trilha, pois já estava ficando tarde. Encontramos Seu Quinzinho no quintal. ofereceu-nos um café com biscoitos temperados com hospitalidade, daqueles que chegam a emocionar o viajante acolhido.
João Guimarães Rosa escreveu um conto magnífico. "conversa de bois" o Daniel flagrou nosso amigo Boy em perfeita sintonia com o bovino. Nome da foto "conversa de Boys" |
Gilberto e Bruno deixam dois garotos experimentarem suas bikes. foto: Daniel |
Foto: Boy |
No final das contas: pedalar é encontrar pessoas. |
"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas pra ver se já somos capazes da alegria sozinhos...Essa... a alegria que ele quer"
LINKS: Projeto Cresertão em Sagarana