sábado, 21 de outubro de 2017

DE UNAÍ À CHAPADA DOS VEADEIROS - CAMINHO DO FORTE-GO.






O sol anda não tinha saído quando começamos a Pedalar rumo à cidade de Cabeceiras em Goiás. A trupe era formada pelos cicloturistas, Adriano, Alexandre, Aurélio, Eduardo – Cabeça, Kenio, Roberto – primo, Dilson Zapp, Paulo Frank e eu. Pela primeira vez eu estava fazendo uma viagem com carro de apoio, o  piloto ninguém menos que o Fernando Henrique, não o ex-presidente, mas o chefe da viatura. Eduardo, não à-toa denominado Cabeça, era o organizador da viagem. Pelo Whatsup já mandou: primeiro dia 70 Km, 95 no segundo, 120 no terceiro, 65 no quarto dia e 30 Km no quinto dia. Por um golpe do destino nenhuma das quilometragens bateu. Bom pra nós que queríamos pedalar.   

No primeiro dia de muita poeira, a quilometragem ultrapassou os 80 Km. Tá certo que o Kênio depois de conduzir o Adriano e eu para uma subida gigante, empoeirada e esburacada descobriu que ele não conhecia o caminho e  depois de sermos avisado pelo nosso apoio retornamos para a rota certa. “...uma viagem também se faz por caminhos errados” teria dito Confúcio se tivesse convivido com o Kênio.





No povoado de Palmeirinha Velha





Chegamos na fazenda de nosso amigo e guia Aurélio em um entardecer vermelho cuja trilha sonora era por conta das araras.


Noite de Yakisoba, cerveja, conversa  e cama. No dia seguinte saímos rumo à Cabeceiras de Goiás. Um trajeto bonito pra pedalar. Começava a aparecer os  primeiros cajuzinhos do cerrado. Consertamos o cabo do câmbio da bike do Roberto. E saímos em direção à cidade de Vila Boa de Goiás. 
 Passamos perto do Poço Azul, mas a entrada estava proibida, não descobrimos o porquê.
Depois de percorrermos um bom trecho de estrada de terra, chegamos para almoçar em um Posto de Gasolina às margens da BR 020.



Tour pela BR 020


Vencendo um aclive








Primeiro pneu furado 


Depois de Vila Boa de Goiás saímos em direção à usina processadora de cana da CBB, Uma estrada boa para se esquecer, muita costela-de-vaca. Estávamos acostumando com o asfalto da 020.

Um lanche na beira de uma barragem.

Pedalamos rumo à represa do Paranã, onde o Eduardo havia reservado um pintado ao molho para o almoço.
Depois de cerca de 70 Km chegamos para almoçar. Tínhamos ainda uns 80 Km até o Forte, no Município de São João da Aliança.









A noite nos alcançou à caminho do Forte, nossa água acabou e tivemos que pedir água na casa simples de Dona Maria e Seu João na beira de um ribeirão. Quando perguntei o nome do Córrego, eles responderam juntos "esse aí é o Ribeirão". Primeiro acabamos com a água da cabaça que eles nos ofereceram, depois eles trouxeram mais uma vasilha com mais água. A pequena casa não tinha energia elétrica, mas tinha uma família abençoada.

O carro de apoio nos alcançou, isso mesmo, moemos as correntes e andamos um tempão na frente do carro. Fizemos um lanche, abastecemos de água e partimos, o apoio na frente pra já encomendar o jantar.

Hospedagem no Povoado do Forte - GO

Há ainda na Pousada da dona Dóra, além dos quartos com camas, uma área com barracas montadas, para os hóspedes.
Experimentei a fruta pão empanada servida no jantar e fiquei fã da iguaria.

O quarto dia- Para Alto Paraíso.
Mais um pneu furado, oportunidade pra descansar.






Este foi um dia duro, no início um pedal supertranquilo, atravessamos o rio macaco e no final pegamos uma serra bruta e desumana de uns 25 Km, com raras descidas e subidas descomunais  que com o sol do meio dia era um verdadeiro suplício.

Depois disso foi só alegria, chegada na pousada Rosa e passeio para São Jorge no dia seguinte. Ao todo foram 449 Km rodados.

Triste foi só ver a Chapada com pouca água. Mas no dia em que chegamos em São Jorge caiu uma boa chuva. 


Partindo pra São Jorge.







sábado, 4 de março de 2017





"O real não está na saída ou na chegada: ele se dispõe pra gente é no meio da travessia"
João Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas.


Texto: Rony V. R. Camargos
Fotos: Rony Camargos e amigos.





CAMINHOS DAS CACHOEIRAS
DE UNAÍ A SAGARANA

Resolvemos fazer o carnaval de 2017 da forma que mais gostamos, pedalando.
Para esse roteiro de quatro dias, resolvemos fazer uma cicloviagem na nossa região, o Noroeste Mineiro. Pois como disse Tolstoi, “se queres ser universal, comece por pintar a  tua aldeia” e para pintar nossa aldeia, nada melhor que cachoeiras e pedal.



Saímos de Unaí no sábado bem cedinho 6:00 em direção ao ribeirão do Rosário que fica 50 Km de distância da cidade, pegamos a MG 188 e 5 Km depois seguimos pela LMG 628, estrada que leva aos municípios de Uruana, Bruritis e Arinos.

O grupo formado por André, Boy, Daniel, Gilberto e eu tinha como objetivo secundário, passar por várias cachoeiras, para mapeá-las e fotografá-las. E como objetivo principal curtir um roteiro incrível.

As primeiras cachoeiras que visitamos distam aproximadamente 40 Km, como não sabemos os nomes, chamamos de Cachoeiras da serra do Israel. Estão em área particular, e foi preciso uma certa lábia do Boy para termos a autorização para entrar.

Valeu a pena, depois de percorremos à margem de um rego d´água que desce a serra, chegamos na primeira cachoeira, um convite a um banho. Alguns metros acima, chegamos na segunda cachoeira, também muito bonita, mais hidromassagem natural.
Paredão de pedra na serra do Israel.





Cachoeira da serra do Israel


Pegamos as bikes novamente e seguimos para o ribeirão rosário, uma estradinha bucólica nos leva até a bela cachoeira do Rosário de cerca de 3,5 metros de altura e com um bom volume de água. Depois de um banho revigorante, fomos em direção à casa do Senhor Paulo. Demos um “oi” e ganhamos um queijo fresquinho com café. O queijo era tão bom que resolveu nos acompanhar. Seu Paulo deve ter ficado com dó daquele bando de doido subindo serra com alforjes  com mais de 16 Kg de carga e nos ofereceu o queijo, que foi educadamente recusado pelo Daniel e aceito numa presteza fora do comum pelo Gilberto.
Cachoeira do Rosário


Seguimos mais cerca de 4 Km até a sede de uma fazenda cujo caseiro é conhecido por Ligeiro. Quando chegamos ouvimos o Ligeiro gritando?? Chingando?? Não dava pra saber direito. Esperamos um pouco e lá vem o ligeiro, caminhando devagar, estava bravo, porque uma pessoa lhe havia encomendado vários frangos, e, depois de um verdadeiro “franguicídio” perpetrado pelo ligeiro, o cidadão desistiu de ficar com os frangos. Compramos duas galinhas já abatidas. No dia anterior o André e o Boy haviam levado, de carro, suprimentos para o primeiro acampamento.




Imediações do acampamento

Preparando o rango


À noite depois que fomos dormir a chuva caiu, uma barraca inundou, todos nós tivemos alguma coisa molhada.
No dia seguinte, domingo dia 26, o céu amanheceu nublado. Fomos conhecer a cachoeira mais alta do Rosário, uma belíssima cachoeira de cerca de 25 m, trilha fácil que passa por outras cachoeiras menores.
A bike do André quebrou um dente do interior do núcleo da roda traseira. Especialista em bicicletas, o cabra sacou dois alicates e conseguiu resolver o problema.

Preparando o café em uma manhã chuvosa


Foto: Daniel Cachoeira do "Adilson"

André consertando o núcleo da roda.

Saímos cedo para subir a serra do Israel rumo às cachoeira que chamamos de “14 cachoeiras”.
Muito empurra-bike na antiga estrada que hoje não aceita carros comuns. Com cerca de 4 Km de subidas chega-se à trilha que leva às cachoeiras. O Daniel era o único que não conhecia o complexo de cachoeiras, não daria para visitar todas as quedas d´água, uma vez que estávamos atrasados em relação aos nossos planos. Visitamos somente 5 cinco quedas e voltamos para as bikes.



Casa de Seu Constantino. Foto: Daniel

Cascata do córrego Pindaíba








Cachoeira do Iporã

Cachoeira no córrego Vereda Funda





Cachoeira no córrego Vereda Funda










Nosso próximo destino era o povoado de Garapuava, onde almoçamos no Restaurante da Branca, restaurante novo, com comida caseira excelente e um ótimo atendimento. Tomamos uma chuva torrencial a poucos metros do local, o suficiente para encharcar até a alma.



Depois do almoço seguimos para nosso local de acampamento, o Pilão de Pedra, uma área particular que recebe visitantes, distantes 84 Km de Unaí pelo asfalto. Nós até aquele momento havíamos rodado 105 Km. Fomos recebidos pelo Adolfinho, o proprietário. 

O Boy e  o Daniel logo arrumaram um lugar para dormir, na antiga casa de adobe e chão de terra batida, o Gilberto armou a barraca no quiosque do bar, André e eu armamos nossas barracas na beira da cachoeira.

É importante ressaltar os riscos de se visitar cachoeiras nesses períodos chuvosos, casos de tromba d´água ou cabeça-d´água não são raros.



Já no Pilão-de-pedra

Ao fundo cachoeira do Pilão-de-pedra

Gilberto em momento "delicado"







No pilão-de-pedra é possível acampar pagando 20,00 por barraca, dá para encomendar uma refeição, há lanche e bebida à venda. O Gilberto, como sempre, não decepcionou com um macarrão com atum que subiu pra categoria "iguaria de pedal".






No dia seguinte, segunda-feira de carnaval, tomamos o café da manhã e zarpamos para visitar a cachoeira da jibóia, que o Daniel não via há mais de 20 anos. Mas antes disso, fomos visitar a cachoeira do ribeirão Garapa. distante cerca de 8 Km do Pilão-de-pedra.

 Neste momento, me lembrei de um trecho do Grande Sertão Veredas do João Guimarães Rosa, que na voz do ex-jagunço Riobaldo diz "... Esbarramos num varjeado, esconso lugar, por entre o           do-Garapa e o da-jibóia, ali tem três lagoas numa com quatro cores: se diz que a água é venenosa"


Cachoeira do Garapa








Descida com vista espetacular   acabei perdendo meu saco de dormir, só me dei conta no final da descida. Resolvi subir um pouco para dar uma chance à sorte. Encontrei o saco  a uns 800 metros serra acima. 

Enquanto eu subia a serra, André e Daniel aguardavam com minha bike e o Gilberto, foi até um sítio próximo saber se seria possível arrumar um meio de voltar para resgatar o saco de dormir. Bingo, o cara garantiu uma ajuda que não foi preciso usar e de quebra ganhamos um almoço na casa do Tutu, conhecido antigo do Gilberto.

Visitamos a Cachoeira que está na divisa dos municípios de Unaí e Uruana de Minas. Com 144 metros de queda livre é uma das mais belas cachoeiras do Brasil.

Pela estrada mais acessível para carros, a cachoeira dista cerca de 90 Km de Unaí e cerca de 20 Km de Uruana de Minas.




Na cachoeira da Jibóia. foto: Daniel




Cachoeira da Jibóia



Descolando um almoço na casa do Tutu

Cardeal na goiabeira
Em direção ao Grande Sertão Veredas, tudo lembra o Rosa, vendo o cardeal da foto acima, lembro da conversa dos jagunços na obra prima do autor - "Passarinho quando se debruça - o voo já está pronto!"
Estrada de acesso para a cachoeira da Jibóia
Foto: Boy

Placa do circuito turístico abandonada, como o próprio circuito

Chegada na cidade de Uruana de Minas.
Passamos para um lanche na cidade de Uruana e seguimos para a cachoeira da Ilha, uma bela e volumosa queda d´água distante aproximados 17 Km da saída de Uruana e 7 Km da vila de Sagarana já no Município de Arinos.

Vista da cachoeira do ribeirão da Ilha.



Foto: Daniel

Foto: André

Ponte sobre o ribeirão da Ilha - Arinos - MG

Chegamos ao bar do Branco na cachoeira da Ilha, e o forró estava fervendo, encomendamos um jantar e tratamos de provar a cerveja local (que era a mesma de qualquer local), ficamos ali meio a contragosto esperando o forró acabar e a chuva passar.

Recebemos a visita dos nossos novos amigos, o casal Virgílio Martins e  Dinalva, ele um  membro essencial da comunidade local, toca um projeto de permacultura, é luthier, fabrica viola de cocho, rabecas, violas e outros instrumentos de corda e já deu cursos do ofício para muitas crianças da vila. A Dinalva está fazendo um pós-doutorado cujo objeto do estudo são as tecelãs da localidade e é também uma grande entusiasta da permacultura.  

Arrumamos nossos sacos de dormir no galpão do bar do Branco, após o jantar e depois que os forrozeiros foram embora dormimos no chão, que horas antes estava repleto de pessoas dançando e tomando uns tragos.

No  dia seguinte fomos para a vila de Sagarana, atravessamos a ponte e percorremos cerca de 7 Km até o povoado.











Fomos conhecer o projeto do Virgílio e da Dinalva, o link para conhecer um pouco desse trabalho está no final deste post. 


A vila de Sagarana foi o segundo assentamento de reforma agrária de Minas Gerais, instalado em 1973, e seu nome homenageia a primeira grande obra de João Guimarães Rosa, o livro de contos Sagarana, publicado em 1946.



Foto: Roney Lara
Foto Roney Lara





Momentos na vila de Sagarana.

O virgílio foi nosso guia para conhecermos a cachoeira do Boi Preto, bem próxima ao povoado, dentro da Estação Ecológica Sagarana, uma reserva com 2.340 ha que preserva o bioma do cerrado. Na cachoeira se faz a captação de água para a população da vila, que tem cerca de 500 pessoas residentes.

Nesse momento se juntou à nós, nosso amigo Bruno, que levou sua bike pra rodar pela porta do liso do Sussuarão.


Cachoeira do Boi Preto em Sagarana



Trilha que leva à Cachoeira do Boi Preto





Enquanto visitávamos a cachoeira do Boi Preto, nosso resgate chegou, Bicudo e Roney Lara, dois pedalantes experimentados. Desta vez não pedalaram mas  deram um apoio de valor inestimável.

O apoio contou com proteínas extras e carboidrato líquido. foto: Roney Lara
Fizemos um churrasco na praça, em frente ao Bar Aconchego, cujo proprietário é o prestativo Expedito, que frita um pastel muito bom e serve vários outros lanches e de quebra deixou que agente guardasse as bikes em seu quintal.

Enquanto esperávamos o casal Virgílio e Dinalva almoçarem em sua casa, ele vegetariano, ela vegana, nós por ironia do destino, preparávamos um churrasco.  Mas com certeza temos muitas coisas em comum, a admiração pela natureza é uma delas.

Depois do almoço, seguimos de carro em direção ao ribeirão do Marques, 17 Km até a propriedade do Seu Quinzinho, depois um treking  excepcional de uns 40 minutos pela mata bem preservada e com direito a  banhos de cachoeiras pelo caminho. 

Depois de passar por lugares exuberantes, avistamos a magnífica cachoeira do Marques. Daria pra ficar horas só olhando aquele espetáculo.


Na trilha para a cachoeira do Marques. Foto. Daniel







Voltamos rápido pela trilha, pois já estava ficando tarde. Encontramos Seu Quinzinho no quintal. ofereceu-nos um café com biscoitos temperados com hospitalidade, daqueles  que chegam a emocionar o viajante acolhido.



João Guimarães Rosa escreveu um conto magnífico. "conversa de bois"
o Daniel flagrou nosso amigo Boy em perfeita sintonia com o bovino. Nome da foto "conversa de Boys"


Gilberto e Bruno deixam dois garotos experimentarem suas bikes.
foto: Daniel


Foto: Boy


No final das contas: pedalar é encontrar pessoas.
Um pouco mais de Rosa nesse mundo:

"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria... Depois, retoma coisas e pessoas pra ver se já somos capazes da alegria sozinhos...Essa... a alegria que ele quer"

LINKS: Projeto Cresertão em Sagarana